O Brasil possui um legado na diplomacia reconhecido globalmente, mas precisa se reinventar para ampliar sua influência e refletir na arena externa as demandas de uma sociedade plural
GUSTAVO BUTTES — presidente da Associação e Sindicato dos Diplomatas do Brasil(ADB Sindical), diplomata de carreira
"Por que as nações fracassam?" — a pergunta central de Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, vencedores do Prêmio Nobel de Economia em 2024, ecoa como um alerta para países que negligenciam o fortalecimento de suas instituições. Em tempos de crise global, em que autoritarismos avançam e democracias vacilam, a resposta está na construção de instituições inclusivas — aquelas que distribuem poder, incentivam a participação e se renovam sem perder solidez. O Serviço Exterior Brasileiro, diante dos desafios do século 21, encarna esse dilema: como preservar sua tradição de excelência sem se tornar refém de estruturas engessadas que, paralisadas pelo tempo, podem levar ao declínio?
A carreira diplomática sempre esteve em constante evolução. Se, por um lado, a tradição garante a solidez institucional e a continuidade de princípios fundamentais, por outro, a inovação é indispensável para que a diplomacia responda aos desafios de um mundo em transformação. O Brasil possui um legado reconhecido globalmente, mas precisa se reinventar para ampliar sua influência e refletir na arena externa as demandas de uma sociedade plural.
O fortalecimento institucional do Itamaraty passa necessariamente pelo diálogo social e pela participação ativa de suas servidoras e seus servidores. A negociação sindical, longe de ser um obstáculo, é parte essencial do processo democrático de modernização. Quando as instituições abrem espaço para a representação coletiva e incorporam as demandas de seus profissionais, tornam-se mais legítimas e eficientes. Esse é o cerne do que os economistas referidos chamam de "instituições inclusivas": aquelas que criam mecanismos de participação e controle, evitando a concentração de poder e o engessamento burocrático que caracterizam Estados em declínio.
O Itamaraty, em seus 200 anos, construiu uma tradição baseada na paz, no multilateralismo e na autodeterminação dos povos — pilares que lhe conferem respeito internacional. No entanto, como lembram Acemoglu, Johnson e Robinson, instituições só prosperam quando se adaptam. Hoje, o ministério enfrenta o desafio duplo de modernizar-se e tornar-se mais representativo: aumentar a presença de mulheres, negros, indígenas e pessoas com deficiência não é apenas uma questão de justiça social, mas de eficiência diplomática. Um corpo diplomático diverso é mais capaz de interpretar e negociar em um mundo complexo.
A reforma do Regime Jurídico do Serviço Exterior, em discussão desde 2024, é um passo crucial. A atual estrutura piramidal de carreiras, aliada a promoções lentas, quando não paralisadas, pautadas por mecanismos personalistas e pouco transparentes, precisa dar lugar a um modelo de carreira ágil, que valorize mérito, capacitação e experiências multidisciplinares e multiculturais. A proposta em negociação prevê carreiras mais fluidas, progressão justa e capacitação continuada — elementos que aproximam o Itamaraty das "instituições inclusivas" defendidas por Acemoglu, Johnson e Robinson, onde oportunidades são abertas e o talento é recompensado.
Manter-se fiel às tradições não significa resistir à mudança. Pelo contrário, as nações bem-sucedidas são aquelas que equilibram estabilidade institucional com adaptabilidade. A diplomacia brasileira do futuro deve ser tão diversa quanto o país que representa, tão ágil quanto os desafios globais exigem e tão sólida quanto sua história demanda.
No Dia do Diplomata, celebramos não apenas o passado, mas o futuro que está sendo construído. Como alerta a ciência mais atualizada, o fracasso das nações começa quando elites se fecham em instituições encasteladas, incapazes de renovação. O Brasil tem a chance de evitar esse destino, modernizando seu Serviço Exterior sem renunciar a seus princípios. O caminho já está sendo traçado: por uma diplomacia que seja, ao mesmo tempo, espelho da sociedade brasileira e farol para um mundo em crise. Porque nações só prosperam quando suas instituições são fortes, democráticas e — acima de tudo — abertas ao futuro.
Fonte: Correio Braziliense
Caminho da diplomacia brasileira no século 21